6 de jul. de 2019

Tchau

Eu posso até ter ido, mas eu nunca vou. Vocês sabem.

25 de mai. de 2004

De volta

Isto ainda está aqui, que surpresa! Havia esquecido a senha. Na verdade eu havia esquecido que tinha começado um desses weblogs. Então hoje acordei às 19 horas com uma palavra esdrúxula na cabeça. Não sabia o que era. Fui alimentar a iguana e a palavra não me saía da cabeça. Passei horas me divertindo experimentando várias pronúncias para ela. Peguei o violão e fui para o banheiro, onde fiquei até agora cantando a palavra sobre uma série de acordes. Até que me veio a lembrança: a tal palavra era a senha do meu diário virtual. Como resultado, aqui estou novamente.
Não me apetece contar nada agora. Ainda preciso ver como está Johnny Alf, o morcego, e dar-lhe umas goiabas. Estava pensando em ligar para o Tom, mas aí me lembrei da morte dele há dez anos. Melhor não ligar, ele não vai atender e eu vou ficar chateado.
Mas por falar em telefonemas, ontem aconteceu algo muito engraçado. O Chico Buarque me ligou para passar seu novo número de telefone. Deve ser a quinta vez que ele muda de número em um ano.
– Mas de novo, Chico?
– Não dá, João, não dá!
– A mesma coisa ainda?
– É! O cara liga e fica falando "AAAAAAAAAAAH-uuuuuuuuuuuuh. AAAAAAAAAAAH-uuuuuuuuuuuuh.". A gente desliga, dois minutos depois ele liga de novo. E não entendo como é que ele sempre acaba descobrindo o número quando eu troco de telefone.
– É...
– Pior é que esse telefone é daqui do escritório. É aqui que eu escrevo, que eu componho. Depois ficam me perguntando por que eu demoro para lançar coisas novas. Não dá pra trabalhar assim!
– É...
– Bom, é isso, João. Anotou o número aí?
– Anotei.
– Então depois a gente conversa melhor. Tenho que avisar um monte de gente ainda.
– Tudo bem. Abraço, Chico.
– Abraço.
Coitado do Chico. Deve ser um inferno mesmo. Vou dar a ele uma semana de folga. Depois começo a ligar de novo. E talvez eu troque o "AAAAAAAAAAAH-uuuuuuuuuuuuh" por algo mais animado.

12 de set. de 2003

O começo

Não sei por onde começar este diário. Nunca fui muito de escrever. Um poema aqui outro acolá, umas letras de música, anotações dispersas. Tem a ver com minha idade, acho.
Vinicius morreu aos 67 anos, em 1980. Quando o Tom morreu, também aos 67 anos, em 1994, botei na cabeça que tinha apenas mais cinco anos de vida. Mas 1999 chegou, completei meus 67 anos, depois cheguei aos 68 e agora estou com 71, e me sinto muito bem. Mesmo assim não sou idiota de pensar que ainda tenho muito tempo pela frente. Resolvi escrever, portanto. Escrever um diário, que é mais fácil e serve como alimento para as lembranças. Comecemos pois.
Hoje foi um dia comum. Aos leitores peço que tenham em mente que quando digo "hoje" refiro-me ao meu dia, que começa e termina quando eu quero, e não ao período convencional que vai de meia-noite a meia-noite. Hoje, por exemplo, o meu dia começou às dez e meia da noite, quando acordei e tomei o copo de chá de gengibre que deixo esfriando na cabeceira da cama todos os dias antes de dormir. Então saí da cama, botei a gravata, peguei o violão e entrei no banheiro. Fiquei até as quatro horas tocando os mesmos dois acordes de "Desafinado". Pouca gente sabe, mas desde 1959 eu tento consertar a harmonia dessa música sem conseguir grande coisa. Tudo bem, tudo bem. É só um trabalho.
Saí do banheiro e comecei a procurar Doralice, a maior e mais velha das minhas iguanas. Ela costuma atender à minha voz quando começo a cantar "Doralice/eu bem que lhe disse/amar é tolice/é bobagem, é ilusão.", mas às vezes torna-se arredia e começa essa brincadeira de esconde-esconde. Encontrada Doralice, levei-a para o terrário grande e botei comida para ela e as outras. Então peguei umas bananas na fruteira e levei para o armário onde Johnny Alf, o morcego, passa os dias dormindo. Ele guinchou em protesto frente à súbita claridade quando abri a porta, então apenas deixei as bananas num cabide e fui para a varanda.
Já eram oito da manhã. Lá embaixo, pessoas de várias idades faziam aquecimento para começarem sua corrida pela praia. Fiquei com pena delas, tão ciosas de sua saúde, aparentemente ignorando a inexorabilidade do tempo e da morte. Fiquei com tanta pena, na verdade, que dessa vez joguei só duas bombinhas. O zelador do prédio está maluco com isso há anos, tentando descobrir quem é o moleque que azucrina os passantes com seus explosivos. É claro que nunca passará pela cabeça dele que o moleque é o ermitão da cobertura.
Saí da varanda e me dirigi ao telefone. A fome começava a apertar, hora de pedir meu almoço no restaurante de sempre. Quando atenderam, apenas fiz a série de batidas de sempre no bocal do aparelho: não posso desgastar minha voz com essas trivialidades. Meia hora depois, ouvi a campainha. Antes de abrir a porta, certifiquei-me pelo olho mágico que o rapaz de entregas já havia saído. É um curioso irremediável, há meses tenta descobrir quem sou eu. Acho que ele tem um pouco de medo misturado à sua curiosidade. De uma forma ou de outra, me agrada esse jogo de mistério.
Almocei em frente à TV sem som e depois liguei para Gal. Ela já foi uma das minhas companhias preferidas: compreendia como ninguém o quanto o som perfeito é sagrado, e tinha aquela voz maviosa. De uns anos para cá, entretanto, sua voz foi se decompondo assim como seu cérebro. Anda meio maluca, a Gracinha. Chegou a mostrar os peitos num show, uma vergonha. Eu ainda converso com ela, em nome da velha amizade. Mas são conversas breves. Dessa vez mesmo fiquei apenas duas horas e meia ao telefone com ela. Meia hora depois, enquanto eu regava as samambaias, Caetano ligou.
? Recebeu a música, João?
[um toque - sinal para sim]
? Gostou?
[um toque]
? Que bom! Vai gravar?
[três toques - "talvez"]
? Hum... Posso passar aí mais tarde pra conversarmos sobre isso?
[dois toques, pausa, quatro toques - "Não. Tchau."]
Caetano me irrita. Mas não tanto quanto Gil. Gil sequer tem meu telefone.

Teste

Será que fiz tudo certo? Então é só isto o tal de weblog? Se eu soubesse que era tão simples, teria criado o meu na década de 50...